

Infância, Adolescência, Maturidade
"O Binômio, na verdade, foi três jornais", relembra Zé Maria. O periódico forjou sua trajetória em três fases distintas porém coesas com os valores adotados no editorial do seu primeiro número, intitulado "Duzentas e sessenta e nove palavras ao leitor":
Qualquer outro comentarista teria colocado no título: "Duas palavras ao leitor". Nós somos mais exatos. Avisamos logo: "duzentas e sessenta e nove palavras ao leitor". Porque BINÔMIO é um jornal diferente: sincero e honesto. O leitor, na certa, já ouviu o anúncio daquele dentifrício que "não faz milagres mas é um bom dentifrício". Pois é, BINÔMIO é assim. Não é independente, como dizem ser todos os nossos colegas. Mas é quase independente, como nenhum de nossos colegas consegue ser. Temos noventa e nove por cento de independência e um por cento de ligações suspeitas. O oposto exatamente do que acontece com os nossos ilustres confrades, que têm um por cento de independência e noventa e nove por cento de ligações mais suspeitas do que mordomo de filme policial norte americano. Por isso não afrontamos o leitor com aquele cínico "órgão independente" no cabeçalho. Somos mais exatos. Colocamos logo: "órgão quase independente". [...] Tais fatores (honestidade, sinceridade, e noventa e nove por cento de independência) fazem de BINÔMIO um jornal fadado ao sucesso. Quando nada, pelo menos uma vantagem nós levamos: não temos concorrente na praça (1ª EDIÇÃO JORNAL BINÔMIO, 1952).
Este editorial inaugurou o Binômio em sua primeira fase, que durou de 1952 até 1955, durante o governo Juscelino. Fase preferida de Zé Maria, é chamada por ele de infância do jornal: "A infância do jornal foi a parte humorística, irresponsável, aquela coisa feita de qualquer maneira porque nós não tínhamos recursos. É a fase que mais me seduz. Até hoje eu morro de rir porque eu vivi aquelas situações, conheço aqueles personagens. A equipe era muito brilhante, muito talentosa" (informação verbal).*
"Binômio - Sombra e Água Fresca (um órgão quase independente)" usava o duplo sentido como marca registrada. A primeira fase é definida por textos ontológicos que usavam o carisma de JK como combustível para piadas críticas. A jocosa frase "JUSCELINO FOI A ARAXÁ E LEVOU ROLLA" (estrategicamente escrita em caixa alta) era uma brincadeira com a viagem de Juscelino e Joaquim Rolla, concessionário do cassino de Araxá, àquela cidade. José Maria relembra que essa "era uma fase alegre, iconoclasta, quase debochada [...] O riso constituía sua grande arma, corroendo, entre uma piadinha e outra ou uma charge irreverente, alguns dos mitos mais consagrados de Minas" (RABÊLO, 1997, p.17). Na estrutura do jornal chamavam a atenção manchetes curtas espalhadas por suas páginas, inclusive na capa, com seu típico humor crítico e político. Gilberto Menezes comenta que "a graça e a ousadia principalmente das manchetes atraem leitores inesperados, da massa da população. E anunciantes." (RABÊLO, 1997, p.202). Algumas entrevistas falsas (como as de JK e do banqueiro Antônio Luciano) e montagens fotográficas fazem sucesso. A simplicidade gráfica dos primeiros anos do jornal alavanca, sem ofuscar, seu conteúdo.
Realmente não existiam concorrentes ao Binômio, mas inimigos. O bom humor aliado ao seu sucesso comercial incomodou os gigantes da mídia impressa mineira e políticos de toda espécie. Aos outros jornais não se admitia que um jornal tão livre e sem pudor pudesse repercutir tanto e tão bem. Aos políticos não se admitia que viessem à luz as mazelas da população e a má gestão pública. Aos empresários causavam ira as denúncias estampadas na capa. Aos leitores e concorrentes espaço aberto a críticas e elogios. O Binômio era, nas palavras de Fernando Mitre, um desbravador, um experimentador que unia "ousadia e coragem também nas suas estruturas formais" (RABÊLO, 1997, p. 157).
Binômio lavrou um caminho até então proibido para os tradicionais jornais da época: mostrava, como pontua Mário Athayde, o outro lado da notícia. Passaram por suas páginas assuntos como o tráfico de pessoas, prostituição, aborto, trabalho infantil, preconceito racial, falsificação do whisky consumido na inauguração de Brasília, corrupção na polícia, a superlotação das prisões em Minas, as conspirações para o golpe militar, os apoios e protestos às reformas de base do governo João Goulart, os altos lucros das companhias de eletricidade, telefonia e transporte público… Para além de sua importância editorial através de sua força textual, vale a reflexão das heranças do Binômio no jornalismo atual.
Analisando suas inovações e experimentações, sob a ótica do design, percebemos que algo deu errado nos últimos 65 anos. Durante um período marcado por pressões políticas e policiais, Minas Gerais foi capaz de produzir um material de excelência gráfica que usava como munição criativa os ataques sofridos. Hoje, quase sete décadas depois, uma parte da mesma imprensa "tradicional" daquela época reina absoluta e segue alinhada com os titulares do poder. O que se perdeu no meio do caminho? Embora tenhamos liberdade de expressão, fácil acesso a meios de comunicação e de reprodução, a ousadia, o bom humor e a oposição inteligente do Binômio não tem precedente no atual jornalismo de Minas e do Brasil.











A segunda fase, entre 1955 e 1959, foi panfletária. O jornal entrava na adolescência. Nas palavras de Zé Maria: "essa é a que menos me emociona. É uma fase muito pesada, é a fase da adolescência, batendo aqui, batendo ali..." (informação verbal)*. O jornal muda o slogan: "Binômio - O Jornal da Semana, a maior tiragem da imprensa mineira". O governo de Bias Fortes, alvo constante de denúncias e matérias críticas, endurece a repressão ao jornal. Porém, Zé Maria destaca que "a cada violência, o jornal respondia no mesmo tom, praticando um jornalismo virulento, demolidor, sem paralelo no país" (RABÊLO, 1997, p.17). O Binômio deixa de ser quinzenal para ser semanal e enfrenta desafios na produção e na nova linguagem. O humor não era mais protagonista. Assumindo um estilo combativo e de posições radicais, aumentava sua popularidade e credibilidade, e ao mesmo tempo agregava mais inimigos, processos e edições apreendidas pela polícia. Leitores mais antigos protestavam com saudade das manchetes mais divertidas, outros entendiam o amadurecimento do jornal e aplaudiam seu novo propósito, afinal, recorda Zé Maria, "os dias eram outros e outro tinha de ser o jornal, embora sem renunciar a nenhum de seus compromissos. A mudança pouco a pouco se consolidou e nossa tiragem aumentava ainda mais" (RABÊLO, 1997, p. 32). Essa fase mais agressiva contou com inúmeras reportagens de denúncia, com um certo tom sensacionalista e uma linha mais objetiva na estrutura do texto.




Em sua terceira fase, mantendo somente o nome "Binômio - O Jornal da Semana" (1960 - 1964), a posição do jornal, segundo Zé Maria, era a de adotar "uma linha ainda mais comprometida com seu momento histórico, transformando-se no porta-voz, em Minas, da campanha das reformas de base (agrária, urbana, fiscal, do ensino, da saúde, etc)" (RABÊLO, 1997, p. 17). Era a fase de "semanário que nós estávamos procurando ser", explica Zé Maria, "a fase da maturidade quando o Binômio quer ser uma grande publicação nacional e de grandes reportagens como a do Roberto Drummond sobre a compra do casal de retirantes Manuel e Francisca"*. A linha editorial adotada pelo jornal foi muito criticada. O apoio explícito a figuras do meio político (Jânio Quadros, Jango Goulart e Leonel Brizola, especialmente) e a inserção de matérias pagas e pautas mais comerciais começaram a descaracterizar o Binômio nascido em sombra e água fresca. Destaca-se aqui o desenho gráfico do jornal, chegando a maturidade e diferente de tudo o que foi produzido nos anos anteriores nas redações de Belo Horizonte e Juiz de Fora. Zé Maria relembra que nessa última fase a "parte de diagramação tinha um papel muito grande", e completa: "tem números preciosos que a gente fazia aqui com muita dificuldade para imprimir no Rio"*. Sempre explorada e em constante modificação, sua identidade visual atingiu grande aprimoramento no seu último ano implementando o 'Esquema-64' (ou 'Objetivo-64'), como parte do plano de transformar o jornal em um magazine "abolindo a manchete, aumentando o espaço do título e valorizando ao máximo as fotografias" (BOTELHO, 2000, p.64).














