Um caso curioso ocorreu em uma das últimas edições do jornal, em 1964. Em uma chamada na capa para uma reportagem sobre a Semana Santa em Ouro Preto, uma foto do fotógrafo mineiro Eugênio Silva foi publicada de lado, na vertical, ocupando quase toda a primeira página. Foi considerada uma heresia. Nesse período em que as fotos ganharam grande destaque nas capas as informações sobre as reportagens se concentravam nas legendas. Assim, as capas do Binômio transformaram-se em um deleite visual. Fotos com cortes precisos e composições incomuns para um jornal.
Em 2013 um jornal francês fez uma experiência digna da criatividade e ousadia do Binômio. O Libération, na edição de 14 de novembro, retirou de suas páginas todas as fotografias. O lugar delas foi ocupado por retângulos brancos. Por ocasião da feira de fotografia de arte Paris Photo, o jornal quis mostrar a importância e o poder da fotografia na mídia atual e o papel que elas exercem no entendimento dos eventos que ilustram. Brigitte Ollier, jornalista do caderno de cultura, escreveu:
Um choque visual. Pela primeira vez em sua história, Libération é publicado sem fotografias. Em seu lugar: uma série de quadros vazios que criam uma forma de silêncio; um silêncio desconfortável. É notável que faltam informações, como se tivéssemos nos tornado um jornal mudo. [Um jornal] sem som, sem esta pequena música interna que acompanha a visão. (tradução nossa)**.
O jornal prestava sua gratidão ao mundo da fotografia e denunciava a situação calamitosa em que fotógrafos de mídia se encontram, especialmente os fotógrafos de guerra mal remunerados, segundo o jornal. Ao fim da edição uma miniatura de cada foto não publicada é apresentada. A força da palavra e da imagem fotográfica ou ilustrada é, ou deveria ser, a força de um jornal. O leitor é atraído por alguma notícia chamativa, uma foto tratada de forma não convencional, uma cor, uma charge ou ilustração que diz o não dito em outros textos. Binômio transformou o tratamento das matérias jornalísticas em Minas, segundo Dauro Mendes (RABÊLO, 1997, p. 167), e faz da subversão criativa sua bandeira.
Uma palavra se manifesta entre dois espaços em branco. É o registro gráfico da fala. É, impressa, a materialização do ideal, da opinião, do pensamento, do teorema, da notícia. Um dos elementos gráficos mais poderosos usados pelo Binômio era, simplesmente, a palavra. Palavras como lugar gráfico e político, fosse para sustentar uma piada de duplo sentido (mantendo em caixa alta a manchete "JUSCELINO VAI POR ROLLA NA PRAÇA RAUL SOARES", por exemplo) ou para expressar na primeira página a voz da população (capa de 1959 traz a palavra "ENCAMPAÇÃO" preenchendo um terço da página, pedindo o controle da companhia de energia elétrica pelo estado). Assim, o jornal conseguia atrair a atenção de seus leitores. Um dos casos mais emblemáticos envolvendo a força e a importância da palavra, quando usada de maneira inteligente, dá-se na reportagem que causou a depredação do jornal, em fins de 1961, envolvendo o então general João Punaro Bley. Com o título "Democrata hoje, fascista ontem", a reportagem do jornalista José Nilo Tavares denunciava antigas arbitrariedades do general enquanto interventor no Espírito Santo, durante a ditadura de Getúlio Vargas. Insatisfeito com a repercussão, e após tirar satisfação pessoalmente com José Maria Rabêlo na redação, o general organizou uma ação que resultou na destruição da sede do jornal no centro de Belo Horizonte. "Mais de duzentos homens do Exército e da Aeronáutica", segundo Zé Maria, "isolaram várias ruas do centro, cercaram o prédio do jornal e destruíram todas as suas instalações" (RABÊLO, 1997, P.42).
O lugar gráfico da palavra, nesse acontecimento, dá-se no número seguinte. Publicando novamente a reportagem causadora da depredação, o Binômio reafirmava a veracidade das denúncias e assumia, mais uma vez, uma postura de não intimidação. Em um carimbo vermelho impresso na diagonal entre o canto inferior esquerdo e superior direito da página, lia-se: "Esta matéria causou o assalto ao Binômio". A revolução editorial e gráfica do jornal era colocada à prova por poderes que já confabulavam o golpe de 1964 e viam no Binômio, com razão, um obstáculo. Apesar de depredado, o jornal não paralisou suas publicações. O jornalista Guy de Almeida relembra como a redação se reestruturou para continuar os trabalhos:
Enquanto se concluía a edição e matérias e diagramas eram levados para montagem e impressão do jornal nas oficinas da Tribuna de Imprensa, no Rio, sob a coordenação do eficiente secretário de oficina e hoje desembargador Orlando Adão de Carvalho, esquema montado por Simão da Cunha assegurava a chegada de José Maria a São Paulo, onde permaneceria por vários dias sob proteção do Sindicato dos Jornalistas local, então comandado por Evaldo Dantas e Silva Neto (RABÊLO, 1997, p.93).
A estratégia do Binômio na resposta ao ataque sofrido foi ousada. A capa é, graficamente, um manifesto por si só. Algum outro jornal poderia, talvez, se acovardar e ceder ao poder dos militares, numa época politicamente difícil em Minas Gerais onde a imprensa andava de mãos dadas com o estado.
Nós não podíamos fraquejar em hora alguma porque nós já tínhamos o outro lado contra nós e os nossos amigos, companheiros e seguidores iam ficar decepcionados se nós baixássemos a guarda. O governo era nosso, aparentemente nosso. Tanto que os participantes foram punidos. Nós não podíamos dar nenhuma ideia de medo, de temor. Nós tínhamos que mostrar que estávamos de pé e lutando (informação verbal)*.
É sintomático que atualmente, ano de 2017, não vejamos atitudes arrojadas dos jornais impressos. As primeiras páginas dos principais jornais do Brasil estão cada vez mais parecidas, tanto graficamente quanto no conteúdo, salvo raras exceções de capas comemorativas ou edições especiais. Em entrevista à Carta Capital, Zé Maria comenta: “as manchetes dos grandes jornais brasileiros são todas iguais. Uma vergonha, parece que todas vêm da mesma central de jornalismo. Isso não houve nem no tempo do Jango" (MELO, 2014).
A ousadia do Binômio surgia, muitas vezes, de experiências na redação e da constante troca de experiências entre as redações do Binômio e do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. O projeto de diagramação do jornal carioca, feito pelo mineiro Amílcar de Castro, era um de seus diferenciais. A redação do Binômio era "um laboratório de experiências e pesquisas, que acabaram sendo aproveitadas também por outras publicações", relembra Oséas de Carvalho. Oséas, uma das figuras mais importantes do jornalismo brasileiro, participou da redação do Diário de Minas, na sucursal mineira do Última Hora (depois nas redações do Rio/São Paulo/Brasília/Curitiba/Porto Alegre/Recife e Niterói), trabalhou ainda no jornal Opinião e no Voz Operária. O design da informação fez do Binômio uma referência. Da simplicidade dos primeiros números à complexidade visual atingida nas edições 12 anos após a estreia, Binômio apostava na ousadia visual da palavra.
A palavra mais importante num jornal talvez seja aquela (ou aquelas) que estampam o seu título. Binômio consolidou-se como um nome forte e facilmente reconhecido. As mudanças no seu conjunto de elementos gráficos ao longo dos anos foi mostrando ao leitor que aquele era um jornal dinâmico, efervescente, mutante. Para Chico Homem de Melo, uma das regras sagradas do mundo editorial é não mexer no logotipo (MELO, 2008, p.119). A manutenção do seu tamanho e local na página estabelece uma identificação instantânea do leitor. Chico usa a revista de cultura Senhor, criada em 1958, como contra exemplo. O logotipo mutante da revista, com variação de tamanho e localização, é uma ruptura técnica também usada pelo Binômio quase que simultaneamente. A credibilidade e a força popular do semanário mineiro foram construídos a partir de uma relação menos engessada na confecção do jornal. Essa força foi testada quando um número do Binômio saiu sem o logotipo na capa, em junho de 1959. Nessa época, o nome do jornal já não vinha fixo no topo da página, era menor e móvel, adaptando-se ao layout escolhido para cada edição, como analisa Oséas:
Pretendíamos mostrar que as características globais do jornal, como a forma de redação dos títulos, principalmente das manchetes, a tipologia adotada, as cores, a diagramação e os próprios temas eram tão importantes para sua identificação, que chegavam a dispensar o título. E o conseguimos, pois ninguém reclamou (RABÊLO, 1997, p.158).
Hoje parece impensável um jornal sair sem o seu nome estampado na capa. Seria difícil distinguir, por exemplo, se aquele impresso é o jornal O Globo, ou Folha de S. Paulo, ou Estado de Minas. Esses jornais carecem de identidade. Binômio conseguiu sustentar, desde o primeiro ao último número, uma personalidade de dar inveja aos jornais atuais.
O tom humorístico do jornal era ainda mais forte quando se uniam palavra e imagem para dar forma às charges. Presentes desde o primeiro número, essas combinações de linguagem verbal e não verbal não pretendiam apenas dar um toque de humor. Elas carregavam uma grande carga de crítica política, social, religiosa… Pensadas como gênero textual aliado a uma expressão gráfica, as charges do Binômio são emblemáticas. Passaram pelas páginas do jornal: Borjalo, Hel Rujos, Oldack, Raf, Ronaldo, Ziraldo, entre outros.
Outra ousadia do Binômio aparece no uso das fotografias. O fotojornalismo era moderno e inovador. Fernando Mitre (ex-secretário de redação do Binômio) relembra o processo de escolha, corte e edição de fotos na redação com
Oséas de Carvalho discutindo e diagramando a primeira página, selecionando e cortando fotos, medindo e rejeitando títulos e, principalmente, ousando. Este processo de criação oferecia, às vezes, resultados surpreendentes, como uma capa inteiramente sem títulos e jogando apenas com fotos e legendas. As fotos, naturalmente, cortadas de maneira radical (RABÊLO, 1997, p.156-157).

![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
---|---|---|---|
![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
![]() |























![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
---|---|---|---|
![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
![]() | ![]() | ![]() | ![]() |
![]() | ![]() |







Digno de nota, também, é a história da publicidade nas páginas do Binômio. A medida que a tiragem e o sucesso aumentam, o número de anunciantes também cresce. Deixando para trás o início difícil em que o dinheiro era curto até para bancar a segunda edição do jornal, Binômio consegue êxito criando estratégias eficientes e inovadoras, como a contratação de um diretor de arte (ou desenhista) para melhorar a qualidade dos anúncios produzidos no próprio jornal. Ronaldo (pseudônimo de Adão Pinto) é o contratado para o design dos anúncios, criação de charges e ilustrações. O layout das páginas também sofre influências das estratégias de propaganda com os rodapés publicitários (em vermelho e/ou preto). Mais tarde, uma agência de publicidade toma conta do design das campanhas do jornal. Em 1957 estreia uma coluna dedicada ao mercado da publicidade, a primeira do gênero no Brasil. As agências de publicidade começam a se expandir na capital com ajuda das ações pioneiras do Binômio. Cadernos e suplementos especiais recheiam o miolo do jornal no início da década de 1960: Caderno dos Bancos, Caderno de Propaganda, cadernos temáticos do varejo, Jornal de Publicidade. As expectativas para uma edição nacional são altas, o sucesso comercial do jornal, com anúncios locais e nacionais, era um indicativo animador. Porém, em 1° de abril de 1964...

* Entrevista concedida ao autor na residência de José Maria Rabêlo em 25 de outubro de 2017, na cidade de Belo Horizonte.
** “A visual shock. For the first time in its history, Libération is published without photographs. In their place: a series of empty frames that create a form of silence; an uncomfortable one. It’s noticeable, information is missing, as if we had become a mute newspaper. [A newspaper] without sound, without this little internal music that accompanies sight,” writes Brigitte Ollier, a journalist Libération‘s Culture desk.
(http://www.bjp-online.com/2013/11/french-newspaper-removes-all-images-in-support-of-photographers/)
REFERÊNCIAS:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA. O guerreiro que embelezava os jornais. Disponível em: <http://www.abi.org.br/o-guerreiro-que-embelezava-os-jornais/>. Acesso em: 17 set. 2017.
DRUMMOND, Roberto. Sangue de coca-cola. São Paulo: Ática, 1981. 317 p.
JUNIOR, José Ferreira. Capas de jornal: A primeira imagem e o espaço gráfico visual. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003. 127 p.
MELO, Chico Homem de. O design gráfico brasileiro: anos 60; Chico Homem de Melo (org.) 2a. ed., São Paulo: Cosac Naify, 2008. 304 p.
RABÊLO, José Maria. Binômio - edição histórica: O jornal que virou minas de cabeça para baixo. Belo Horizonte: Armazém de Ideias/Barlavento Grupo Editorial, 1997. 260 p.
"Tyrone Power entrou para o Dops muito novo, ainda em Belo Horizonte, quando o Governador de Minas era Juscelino Kubitschek. Na época, o semanário Binômio, fechado no dia 1º de Abril de 1964 e que o Doutor Juliano do Banco chamava de jornaleco filho da puta, publicava charges mostrando uma fila de moças entrando de mãos abanando no Banco do Doutor Juliano do Banco e saindo de lá com um filho no colo." - do romance "Sangue de Coca-Cola", Roberto Drummond, 1981.
